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O sacerdote argentino Leandro Bonnin, autor de livros sobre espiritualidade católica, aprofundou-se na carta apostólica Patris corde para explicar por que São José, pai adotivo de Jesus, foi um pai na sombra ou a sombra de Deus Pai.
Na terça-feira, 8 de dezembro de 2020, o Papa publicou sua carta apostólica Patris corde, com a qual convocou o Ano de São José para comemorar os 150 anos do decreto Quemadmodum Deus do Beato Pio IX, que declarou o pai adotivo de Jesus como padroeiro da Igreja Universal.
Em uma carta enviada à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, por ocasião do Ano de São José, Pe. Bonnin comentou o ponto sete da carta apostólica. Ele disse que a palavra "sombra" usada pelo Papa Francisco admite várias interpretações para a pessoa de São José.
“José é um ícone visível, humano e sensível do amor infinito que Jesus recebe do Eterno Pai desde toda a eternidade. Logicamente, não pode igualar à Primeira Pessoa da Trindade em sua infinidade, mas pode encarnar - de forma humana - seus atributos e perfeições, através de sua força serena que protege, seu amor fiel que inspira segurança, sua bondade superabundante que estimula o bem”.
O presbítero da Arquidiocese de Paraná (Argentina) indicou que nas Sagradas Escrituras “a sombra evoca a proteção do sol escaldante do deserto, e por isso é uma imagem de uma presença constante que acompanha em todos os lugares protegendo de tudo que pode causar danos e prejudicar".
No caso de São José, sua missão foi "proteger o Menino e a sua Mãe". Ele “foi uma força no silêncio que protegeu os inícios da Redenção, que se deu na fragilidade e na vulnerabilidade”.
Pe. Bonnin acrescentou que a imagem de José como “sombra do Pai” é inspirada no “livro encantador e profundo 'A sombra do Pai', (do escritor católico polonês Jan Dobraczyński) que considero uma leitura obrigatória para quem quer entrar no coração de José de modo mais profundo”.
São José não buscou protagonismo e permaneceu na "sombra"
O sacerdote argentino destacou que o Papa quis sublinhar “como José é capaz de resistir à tentação de ‘decidir a vida dos filhos’ e, pelo contrário, exerce sua paternidade com grande respeito por sua liberdade e sua própria missão”.
“José soube amar de maneira extraordinariamente livre. Nunca se colocou a si mesmo no centro; soube descentralizar-se, colocar Maria e Jesus no centro da sua vida”, foram as palavras do Papa em Patris corde.
Para o Pe. Bonnin é “particularmente interessante –e até mesmo um novidade– a forma como Francisco fala da castidade de José”, virtude que considera necessária para ter a humildade que o levou a estar na “sombra”.
“Esta virtude - quando entendida unida à caridade, molde de todas as virtudes - permite amar de forma ordenada e saudável, com um amor que não gera dependência e que nunca procura dominar. João Paulo II costumava ensinar que o oposto do amor é o uso, e a castidade preserva - precisamente - do risco de 'usar os outros' como objetos pelos quais me 'promovo' e me 'exalto'”, refletiu.
À luz desta reflexão, assinala o padre, “poderíamos dizer que o momento em que Jesus aos 12 anos de idade fica no Templo de Jerusalém é uma dor imensa para São José - imaginemos a sua angústia ao procurá-lo - mas ao mesmo tempo é a máxima satisfação que experimentou como pai”.
“A maturidade do seu Filho para descobrir e abraçar a própria missão ('cuidar dos assuntos do meu Pai') foi a melhor 'medalha' que José poderia receber em reconhecimento pela sua tarefa de educar”, acrescentou.
São José ama de forma ordenada na "sombra"
Pe. Bonnin recorda que no ponto sete da carta, o Papa Francisco denuncia que hoje existe uma “incapacidade de amar de forma ordenada” devido a uma “atitude narcisista que praticamente faz com que as relações humanas se tornem relações de poder”.
“A reflexão sobre a castidade que permite um amor ordenado - nem dominante nem dependente, mas de autêntica afirmação do outro em sua livre originalidade - é um antídoto necessário para as tendências culturais que hoje podem afetar muitos cristãos”, afirmou.
Ao contrário de como José agiu diante de Jesus e Maria, o padre argentino teme que os pais se deixem levar pelo “narcisismo”, que poderia “levá-los a deixar de criar os filhos para seguir seus próprios projetos pessoais de estudo ou trabalho; mas também poderia gerar uma forma de se relacionar com eles na qual se busque ‘promover’ o filho como se fosse mais uma realização no seu currículo”.
“Não seria um bom ‘pai’ quem impusesse aos seus filhos os seus próprios sonhos - não realizados - ou quisesse moldá-los exatamente a sua ‘imagem e semelhança’, como um prolongamento seu, em detrimento de sua identidade original”, comentou.
Do mesmo modo, afirmou que tentações muito semelhantes "aparecem na vida sacerdotal e consagrada" e, portanto, "é eloquente que o Santo Padre, ao falar da paternidade na 'sombra', mencione explicitamente padres e bispos".
A relação entre São José, Jesus e Maria
Pe. Bonnin assegurou que “José era belo, tanto de corpo como de alma”.
“Ele era certamente um homem cheio de virilidade, que emanava força e gerava respeito e admiração, mas não medo. A sua força era a de um rio impetuoso que nunca saiu do seu curso com violência ou prepotência, mas sempre ‘deu vida’ ao longo de sua passagem: a Mãe, o Menino e todos os que o conheceram”, disse.
Neste contexto, acredita que “é totalmente legítimo pensar que Maria Santíssima estava completamente cativada pela beleza do coração de José, e que seu amor virginal de esposa e de irmã era de uma intensidade e pureza muito semelhantes às das origens".
“A feminilidade de Maria torna-se cada vez mais clara e bela na relação harmoniosa com a masculinidade de José, renovando em ambos o desígnio original do Criador”, afirmou o presbítero.
Por outro lado, o sacerdote argentino assinala que “o Menino Jesus admirava profundamente seu pai José, amava-o com ternura, disfrutava de cada minuto que passava com ele”. “Jesus aprendeu a ser homem contemplando e interagindo com seu pai, brincando com ele, usando as ferramentas de trabalho, aprendendo a ser filho, esposo e pai no contato íntimo”, disse.
E acrescentou: “Como devem ter sentido a falta de José depois da sua morte! É provável que a sua lembrança habitou os seus corações até o dia da sua subida ao céu, e que na eternidade ambos - Jesus e Maria - cantem ao Pai com gratidão por tê-lo dado a sua Sagrada Família”.
Ao concluir a carta, o Pe. Bonnin assegurou que na história da Sagrada Família “a lei do Evangelho se cumpre ao pé da letra”: “Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado."
“José escolheu a suprema humildade e por isso foi tendo a máxima consideração por sua Esposa e Filho, que o consultavam para tudo, apoiavam-se nele, buscavam-no continuamente”, acrescentou.
“Neles descobrimos o restabelecimento do vínculo saudável e ordenado entre homens e mulheres e entre pais e filhos. Neles se manifesta o poder transformador da graça, que ‘faz novas todas as coisas’ e permite também que cada família sonhe com a felicidade”, concluiu.
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.